quarta-feira, 26 de junho de 2013

Ode á Caricatura

Olha que legal essa poesia de Valério Mendes que foi publicado na revista O Malho, em setembro de 1902. Dá pra perceber que o efeito do humor naquela época era bem maior que os dias atuais. Ainda não havia essa banalização da imagem, tornando seu resultado devastador. Principalmente quando ia de encontro aos anseios da população: És o allivio supremo dos que soffrem, Dos perseguidos e desamparados, Dos que têm fome e sêde de justiça. Salve, Consoladora! Os políticos deviam adorar... Receiam-te os ataques os perversos, E os tyrannos de ti pávidos fogem...Ave, Caricatura! É bom lembrar que na época o termo caricatura era utilizado de forma mais genérica, relativa ao termo humor que empregamos hoje.

I
A chlamyde sombria desvestindo
Com que o bom senso e a sisudez casmurra
Quotidianamente sacrifico,
           Banzeiro e somnolento,
Lepido cinjo o saio auri purpureo
E a leve camiseta de bretanha,
E de rosas e lyrios coroada
A cabeça, que os annos salpimentam,
Venho carmes e lôas offertar-te,
           Caricatura augusta!
II
Nobre filha do Traço e da Risada,
Sobrinha do Sarcasmo e da Ironia,
Prima da Troça e neta do Assobio,
És o allivio supremo dos que soffrem,
Dos perseguidos e desamparados,
Dos que têm fome e sêde de justiça.
Salve, Consoladora!
Ave maravilhosa, hybrida, estranha,
De garras de ouro e bico de diamante,
Receiam-te os ataques os perversos
E os tyrannos de ti pávidos fogem...
           Ave, Caricatura!
III
O que as palavras exprimir não podem,
O que ás pennas e as linguas a lei veda,
Pode o lapis dizel o impunemente,
No papel branco saracoteando...
Reputações que o Tempo, cauteloso,
Morosamente solidificara
Num momento desfazes com dous traços!
Pões verrugas sacrilegas nos santos,
Zarolhos fazes os imperadores.
Nos ministros penduras rabo-levas,
E até do proprio Deus brincas com as barbas!
          Ave, Caricatura!
IV
Mãe das artes, origem do desenho,
Foste irmã da canção nas eras priscas,
No symbolismo egypcio é encontrada,
O fetichismo desmoralisando,
Veneram-te gregos e romanos,
Cicero amou-te, o scurra consularis
E foste de Aristophanes amiga,
O Olympo debochaste, irreverente,
Nos graves deuses dando piparotes,
Em pedra, em bronze, em ouro trabalhaste,
O vingador ridiculo atirando
Por toda parte onde a tolice humana
O gordo papo alcançava.
P’ra gloria tua trabalharam genios
Erasmo e Rabelais, Vinci e Carracio
- O proprio Manoel Angelo serviu-te -
Papyros, telas, marmores lavrando,
Rindo os vicios castigas, e os costumes
Corriges a brincar. Teu nobre peito
Do Juvenal hospeda a alma serena,
És refrigerio e abrigo á desventura,
Odios desarmas, vingas injustiças,
Irreverente, intrepida, indomavel,
Bombas de risoatiras ás targedias,
Da tyrannia, a liberdade humana
Defendendo e salvando......
Eis-me a teus pés, bradando alegremente:
           Ave, Caricatura!


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